Total de visualizações de página

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Aprender e ensinar através da contação de histórias


Juliana Bertoglia Silva [1]

RESUMO

          O presente artigo trata do ato de contar história e seu papel para o desenvolvimento cognitivo e afetivo de crianças em idade escolar, bem como na construção do sujeito. Contar histórias nos ensina valores e nos dá a possibilidade de superar desafios.
          O texto apresenta pesquisa realizada pela ONG Viva e deixe Viver dentro de sua atuação em hospitais infantis, ações promovidas pela Fundação Itaú Social em incentivo a leitura na infância, bem como autores que estudam o contar e cantar histórias como forma de humanização e construção de saberes, valores para o convívio em sociedade e a superação de desafios interno e externos do ser.
Palavras-chave: Contação de Histórias, leitura, infância.

  



INTRODUÇÃO
                                                                                                        “Era uma vez,
Um lugarzinho no meio do nada...”
Toquinho.
                        Como se fossem palavras de um encantamento, o “era uma vez...” tem o poder de nos transportar no tempo e no espaço. Saímos da realidade e nos encontramos com seres fantásticos, lugares magníficos onde tudo pode acontecer. Damos asas à imaginação e nelas viajamos léguas, vivemos as mais diversas aventuras, construímos mundos e construímos a nós mesmos como sujeitos, como diz Bia Bedran:
“A criança que ouve histórias cotidianamente desperta em si a curiosidade e a imaginação criadora e ao mesmo tempo tem a chance de dialogar com a cultura que a cerca e, portanto, de exercer sua cidadania. O encontro do seu imaginário com o mundo dos personagens tão diversificados pertencentes aos contos sejam eles tradicionais ou contemporâneos, é fator de grande enriquecimento psicossocial.” (BEDRAN, 2012 p.25).
As crianças, desde muito pequenas adoram ouvir histórias, geralmente contadas pelas mães, e pedem para que as mães contem de novo e de novo, parecendo não se cansarem de ouvir suas histórias preferidas.
A ONG Viva e deixe viver, realizou em 2012 uma pesquisa onde 59,8% das crianças entrevistadas apontaram as mães como as que mais contavam histórias para elas, seguindo-se de 18,9% pais, 8,2% irmãos, tias, avós e tios aparecendo logo em seguida como mostra a imagem[2].
  
Ainda na mesma pesquisa realizada pela Viva e deixe viver, 92,9% das crianças dizem ouvir histórias contadas por seus professores. A ONG Viva é deixe viver atua em hospitais infantis com contadores de histórias voluntários desde 1997, já atendendo diversas crianças e adolescentes durante esses 19 anos.
Segundo a pesquisa realizada pela Viva[3], os benefícios provocados ao que ouvir histórias são:


Podemos assim, perceber o quanto o simples ato de contar uma história pode mexer com o emocional de quem a ouve. Colocamo-nos no lugar das personagens, transportamo-nos para dentro das histórias e vivemos aventuras que nos ensinam valores, sentimentos, empatia entre tantos outros conhecimentos.
Para uma criança hospitalizada, o momento da contação de história é a oportunidade de esquecer um pouco sua própria condição, e embarcar num navio imaginário onde ela pode tudo o que sua imaginação permitir. Quando a história acaba, ela volta da viagem fortalecida pelas histórias e com mais animo para enfrentar seus próprios desafios.
Dentro do âmbito escolar (e também hospitalar), trabalhar com a contação de historias, ascende as “lamparinas da imaginação” nas crianças, instigando a curiosidade, a reflexão e a vontade de ler e conhecer cada dia mais, e por que não dizer, de criar suas próprias histórias, com seus heróis, monstros, superando assim diversos desafios que vão além aos da leitura e escrita.
O presente artigo tem por finalidade conhecer mais sobre o universo da contação de histórias, procurando articular saberes a fim de levantar hipóteses e ideias a respeito do tema e suas implicações no universo infantil e escolar.  Queremos também trazer a discussão, diferenças entre ler e o contar histórias e quais as repercussões de cada ação na construção de conhecimento tanto de alunos como também de seus professores, assim como também na construção do sujeito.

2. Diferenças entre o ler e o contar histórias.
          Ler uma história para a criança ou para outras pessoas, é manter-se fiel ao texto escrito, as pausas dadas pelas vírgulas e pontos. Essa ação traz para a criança o objeto livro, que deve ser bem explorado desde muito cedo, para que o educando tenha afinidade com esse suporte textual. Outros meios textuais também devem ser trabalhados, como jornais e revistas, livros e cadernos de receita, bulas de remédios e receituários médicos, ampliando assim, as possibilidades de leitura. Para que a criança entenda a função social de cada suporte textual, os gêneros que cada um apresenta, suas diferenças e também semelhanças.  Ler a mesma história em diferentes livros, ou mesmo ler a mesma noticia em diferentes jornais ou revistas, fará com que a criança compare, aprenda a buscar novos meios de informações, e a partir do que foi lido crie sua própria opinião do fato ou história.
          Contar uma historia é empregar nela a sua interpretação, mediada pela memória. Bedran em seu livro “A arte decantar e contar histórias” nos fala de duas possibilidades da narração. A primeira, o contador tradicional narra uma história que pode ser da própria vida, algo que aconteceu no passado, que alguém em algum momento contou e que este reconta, tendo a oralidade sempre presente. Já uma segunda forma de contar histórias seria mediada pelas novas tecnologias, então coleções de CD’s que mesclam a narração das histórias com músicas e outros recursos (animações, atividades, etc.).
            Contar e ouvir histórias como diz Bia Bedran “é uma experiência que se traduz numa interação de sentidos capaz de recuperar os significados que nos tornam mais sensíveis” (Bedran, 2012 p 27). O contador de histórias dá vida às palavras que se fundem ao som de sua voz agregando diversos sentidos. Embalado pela narrativa, quem escuta vai criando universos imaginários e por eles vai ora caminhando, ora correndo dependendo do ritmo empregado a narrativa do contador de histórias.

3. O papel da leitura e do contar histórias para crianças de 0 a 6 anos.
            A Fundação Itaú Social junto a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em 2015 desenvolveram uma campanha denominada “Receite um livro”[4] para incentivar a leitura a partir das consultas pediátricas. Dentro dessa campanha eles elaboraram um livreto contendo informações a cerca da leitura na primeira infância (0 a 6 anos). O documento apresenta informações sobre o desenvolvimento da criança e a importância de estimula-la desde cedo, para que “ela possa desenvolver de forma plena habilidades como pensar, falar, aprender e conviver” p10, sendo esse o período de grande crescimento do ponto de vista das capacidades sensoriais, da linguagem e das funções cognitivas superiores.
            Ainda na barriga da mãe, a audição do bebê é um dos primeiros sentidos que este desenvolve. Ele já é capaz de perceber os sons que estão ao entorno da mãe. E Segundo Evelio Cabrejo Parra,
 “O bebê, ao nascer, já vem com a capacidade de escutar. Quando se lê para ele em voz alta ou se canta uma canção de ninar, ele se põe em posição de escuta. Isso quer dizer que está tratando de construir significado à sua maneira. Por isso, é necessário alimentar essas potencialidades desde o princípio da vida” (PARRA, apud Sociedade Brasileira de Pediatria: Receite um Livro 2015 p 15).

Dentro das diversas funções da leitura, principalmente a leitura para bebês, podemos citar a aquisição e ampliação do vocabulário, da capacidade linguística da criança, cria vínculos, fortalecendo a relação de afeto entre a criança e aquele que lê para ela. Oportuniza o fortalecimento psicoemocional e social da criança, dando a ela segurança para construir sua autonomia e as relações sociais e interpessoais.
A leitura dentro do contexto de segurança e afeto, permite a criança o seu desenvolvimento cognitivo, possibilitando a ela vivenciar junto ao leitor um momento prazeroso. Assim a criança vai percebendo a leitura como algo que dá prazer e passa a se interessar cada vez mais por essa atividade. Tornando a leitura um habito e não uma obrigação.
            Como já dissemos anteriormente, ler é ser fiel ao que esta escrito, sendo assim, a leitura pode vir a ser base da contação de histórias, uma vez que as histórias a serem contadas podem vir da tradição oral, quando essa história é contada e recontada diversas vezes e vai sendo transmitida oralmente de geração em geração. Ou ela pode ser lida varias vezes e internalizada a ponto de ser recontada oralmente, emprestando ao texto a voz e corpo do contador de histórias. Ao internalizar as histórias, o contador pode além de sua interpretação, criar adereços e usar musicas ou outros artifícios que criem um clima, uma ambientação para a história a ser contada, ampliando assim as experiências vivenciadas por seus ouvintes.

4.  Construindo Historias coletivas
          Uma das possibilidades para a contação de histórias é a construção de histórias coletivamente. Onde a experiência extrapola o ouvir, faz com que os ouvintes participem ativamente da história, dando sugestões, resolvendo conflitos ou criando- os, interpretando as personagens que vão surgindo no desenrolar da história.
          Para a realização da história coletiva podemos nos valer de jogos, como o RPG (Rolling player game) ou outros que podem ser criados por professores ou contadores de historias.
          A ONG Viva desenvolveu o Jogo Eu Conto, que consiste em um baralho dividido em cartas contendo profissões, lugares, ações, onde os participantes vão retirando as cartas e construindo suas histórias a partir delas.  Esse é um jogo de fácil construção pelo professor que pode recortar figuras em revistas, e ir criando seu baralho para seu uso em sala de aula.  Caso o professor queira há a possiblidade de comprar o jogo na loja virtual da Viva. (pelo site: http://www.vivaedeixeviver.org.br/loja)
          No RPG o Contador de histórias ou o professor assume a função de Mestre, que é a pessoa que conduz a história e vai propondo os desafios, os jogadores (alunos ou ouvintes) viram os heróis  construindo as histórias desses personagens e solucionando os desafios impostos pelo Mestre. Um jogo que exige de todos os participantes, imaginação, interação, muita leitura e interpretação.  Como jogadora de RPG, acredito que esse seja um jogo transdisciplinar, ou seja, para sua realização há necessidade de movimentar diversos saberes e conhecimentos, desde saberes matemáticos e lógicos, como geográficos, históricos, químicos e físicos e muitos outros. Jogar RPG desenvolve capacidades de leitura e escrita, de interpretação, a corporalidade entre outros. Infelizmente há ainda muito preconceito a cerca desse jogo e muito desconhecimento por parte das escolas, professores, pais e sociedade como um todo.
         
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Contar história é acender uma fogueira em seu coração para que a sabedoria e a imaginação possam transformar sua vida” (MELLON apud BEDRAN, 2010 p 15)

          Ao contar histórias nos reconectamos com forças há muito tempo esquecidas, sabedorias e esperanças desaparecidas ou que foram obscurecidas pelo passar do tempo, como diz Nancy Mellon (Apud Bedran, 2012).
          
REFERÊNCIAS
ABE, Stephanie Kim. Porque contar histórias para seu filho, Educar para crescer. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/contar-historias-846940.shtml Ultimo acesso em 04 de abril de 2017.
BEDRAN. Bia. A arte de Cantar e contar histórias: narrativas orais e processos criativos/ Bia Bedran. RJ: Nova Fronteira, 2012.
BEDRAN. Bia. Ancestralidade e contemporaneidade das narrativas orais:
A arte de cantar e contar histórias Disponível em: http://www.artes.uff.br/dissertacoes/2010_bia_bedran.pdf acesso em 31/05/2015
MACHADO, Ana Maria. Contando Histórias, formando leitores/ Ana Maria Machado, Ruth Rocha. – Campinas, SP: Papiros 7 Mares, 2011 (Coleção Papiros debates).
MELLON, Nancy. A Arte de Contar Histórias/ Nancy Mellon; tradução de Amanda Orlando e Aulyde Soares Rodrigues. RJ: Rocco, 2006.
MORAES, Fabiano.Contar Histórias: a arte de brincar com as palavras/ Fabiano Moraes. Petrópolis RJ: Vozes, 2012.
 PINTO, Fernanda Chequer de A. A importância de contar histórias. Disponível em: http://www.projetoamplitude.org/com-a-palavra-amplitude/a-importancia-de-contar-historias/ Ultimo acesso em 04 de abril de 2017.
SLEMENSON, Maria e Marion Frank. Como fazer um bebe gostar de ler? 2013. Disponível em: http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/gostar-ler-bebes-737294.shtml Ultimo acesso em 04 de abril de 2017.
TAKADA, Paula. Leitura Não é luxo é a base para a construção de si, Nova Escola. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/928/teresa-colomer-literatura-nao-e-luxo-e-a-base-para-a-construcao-de-si-mesmo?utm_source=tag_novaescola&utm_medium=facebook&utm_campaign=mat%C3%A9ria&utm_content=link Ultimo acesso em 04 de abril de 2017
VIVA, Associação Viva e Deixe Viver Jogo Eu Conto – Incentivo à leitura (Setembro 2012).  Disponível em: http://www.vivaedeixeviver.org.br/images/stories/download/pesquisas/Apresentacao-Viva-e-Deixe-Viver_Completa_Final.pdf Acesso em 20 de abril de 2017.



[1] Professora de Artes na Rede Municipal de Santa Isabel- SP
Artigo apresentado como requisito parcial para aprovação do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Formação de contadores de Histórias
[2] http://www.vivaedeixeviver.org.br/images/stories/download/pesquisas/Apresentacao-Viva-e-Deixe-Viver_Completa_Final.pdf
[3] http://www.vivaedeixeviver.org.br/images/stories/download/pesquisas/Apresentacao-Viva-e-Deixe-Viver_Completa_Final.pdf
[4] Publicação disponível em: https://fundacao-itau-social-producao.s3.amazonaws.com/files/s3fs-public/biblioteca/documentos/campanha_prescreva_um_livro.pdf?P0lNtGzZEEfiZ9N1StWWqFweNpvhfovu