Total de visualizações de página

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Apropriação cultural

Juliana Bertoglia Silva [1]

RESUMO

          O presente artigo trata do Ensino da História da África e das africanidades nas escolas brasileiras, tendo como viés a questão da apropriação cultural como temática principal. Traz a partir dos referenciais da educação e da legislação brasileira uma reflexão sobre o papel do professor frente às novas plataformas de comunicação, juntamente com a popularização das redes sociais. 
Palavras-chave: Educação; apropriação cultural; racismo; redes sociais.

Introdução.
          Nos últimos meses vimos uma onda de debates sobre apropriação cultural nas redes sociais. Casos que chamaram grande atenção dos internautas foram, a menina (branca) com câncer e que estava em um ônibus em São Paulo e que foi hostilizadas por mulheres (negras) por usar um turbante, adereço tido como indicador da cultura afro. Após o incidente, a menina postou uma foto com a hashtag “vai ter todos de turbante sim (post que segundo a Folha de São Paulo já conta com 104 mil curtidas 30 mil compartilhamentos[2]) e, acalorando as discussões, a cantora Anita, estando na Bahia fez tranças no cabelo e postou a foto em uma rede social, também recebendo diversas criticas de seus seguidores[3].
          Mas afinal, o que é apropriação cultural e por que ela esta dando o que falar nas redes sociais? Uma vez que o Brasil, dentro de sua história, é de fato uma miscelânea cultural devido às diversas migrações dos mais diversos grupos advindo de vários países? E talvez, o mais importante, como e porque falar de apropriação cultural nas escolas?
          Ao pensar nessas questões, queremos ter claro nossa função quanto professores, responsáveis pela formação cidadã de nossos alunos, para que eles possam ter condições de combater preconceitos e, porque não, fortalecerem-se quanto sujeitos de maneira critica, criativa e principalmente, fortalecer as relações de respeito, solidariedade tão necessárias nos dias de hoje.
1. Apropriação cultural: o que é?

Nossa sociedade foi formada a partir de três matrizes culturais: os índios, que aqui viviam antes dos colonizadores. Os europeus e sua dita cultura branca (portugueses e espanhóis) e os negros, trazidos como escravos de diversas partes da África.
A história brasileira se dá a partir da interação cultural desses povos, pertencentes à raça humana. Aqui há a necessidade de uma pausa para falarmos do termo raça. Em termos biológicos, não existem raças e sim a raça humana (homo sapiens) e o termo raça é empregado de forma “politica tomado por grupos étnico-raciais de forma a fortalecer seus direitos e favorecer seu processo de inclusão e de acesso aos direitos fundamentais desses grupos” (TOLEDO, 2013 p. 21) procurando assim garantir igualdade de direito a todos e não divisão social.
A nossa história, quanto sociedade, foi marcada pela dizimação de diversos povos indígenas, como também pelo processo de escravidão vivido pelos povos negro trazidos ao Brasil, sendo o nosso país o ultimo a abolir o trabalho escravo, impondo- se assim a cultura europeia e rechaçando as demais culturas.
Heranças desse passado próximo, ainda são visíveis nos dias de hoje, infelizmente ainda temos presentes conceitos e pré-conceitos que geram sofrimento e discriminação.  Na forma como nos comunicamos e nos expressamos. Muitas vezes, mal sabemos que com certas expressões usadas corriqueiramente estamos sendo racistas. À exemplo: “Amanhã é dia de branco!” ao se referir a segunda feira, negros ou indígenas não trabalham as segundas feiras?
Voltemos então a pergunta: Apropriação Cultural- o que é? Como já cometamos, vivemos a supremacia da cultura branca e, por muito tempo a cultura negra foi tida como algo ruim, mal e até mesmo como crime. À exemplo o samba, ritmo nascido da mistura de rimos africanos e que  durante a década de 1920, quem fosse pego em uma roda de samba poderia ser preso, ou ainda se fosse pego fazendo “nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem (decreto 847 de 11 de outubro de 1890[4])...”:  seria acusado de vadiagem. Hoje, o samba e a capoeira são tidos como símbolos da cultura brasileira e patrimônio imaterial da humanidade.
Apropriação cultural, segundo reportagem exibida na folha de São Paulo, “é quando elementos de uma determinada cultura são tomados como seus por outra cultura dominante, ou seja, quando existe uma relação assimétrica de poder[5] . Ou ainda, como defende a filosofa Djamila Ribeiro, entrevistada pela Folha na mesma reportagem citada acima, apropriação cultural é quando elementos de uma determinada cultura passam a ser interessantes ao mercado, são esvaziados de suas essências e assim transformados em produto comerciais.
Outros casos de apropriação cultural apareceram na mídia nos últimos dias, alem dos já citados, houve também a atriz Isabella Santoni que publicou em seu perfil em uma rede social uma foto onde aparece com tranças que representam a cultura negra, ou ainda o caso da cantora Malu Magalhaes e o vídeoclipe da musica “Você não presta” onde os seus seguidores a acusam de hipersexualiazar o corpo negro além de ter dançarinos negros em posição subalternas a ela. Fazendo com que a cantora retirasse o vídeo do ar.
Dentro da nossa sociedade, e dentro, principalmente da profissão de professor, precisamos ter bem claros os pressupostos educacionais que regem o magistério em nosso país, e para tanto entender os contextos que são debatidos dentro das redes sociais, podem ser grandes ferramentas e ponto de inicio para dialogo em sala de aula, promovendo assim o pensamento critico, a auto reflexão e o combate das atitudes e ações que geram desconforto social como é o caso do racismo.

2. A O Ensino sobre a África e africanidades na escola.
Antes de falarmos sobre o papel de discutir e construir conhecimentos a cerca das africaninades bem como a história da África nas salas de aula, é importante percebemos como chegamos a necessidade de se falar sobre esse assunto em nossas escolas. Partimos então do artigo 5º da Constituição de 1988, que garante a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, além de:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;[6]
           
A Constituição, carta magma da nação, é um dos primeiros documentos a tratar da temática do racismo, tratando- o como crime. Após esse documento, foram criados outros para garantir, de fato a todos os brasileiros, os direitos essenciais a vida, educação, saúde e segurança para estes exercerem de forma digna sua liberdade, expressão e cidadania.
Entre outros documentos que podemos citar, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LEI Nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996) que no artigo 26 traz em seu texto:
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
§ 4º - O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e europeia.[7]

            O Estatuto da criança e do adolescente em seu artigo 5º diz:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. [8]


            Além desses três documentos há ainda as alterações da LDB, que trata da organização do ensino no país, as mudanças ocorridas através das Leis 10.639/2003 que introduz ao texto a obrigatoriedade da Temática História e Cultura Afro-brasileira (inclusão na LDB, no Art. 26, 26_A, além do 79, 79_A e B). Cinco anos depois mais uma alteração no Art.26, agora este passa a apresentar também a palavra “indígena” sendo o texto alterado para História e Cultura Afro-brasileira e Indígena (Lei 11.645/2008), mudanças que garantem o ensino da formação histórica do país bem como sua diversidade cultural. 
            Há ainda os pareceres do Conselho Nacional da Eucação, CNE 003/2004, o Plano Nacional de implementações das diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro- brasileira e africana.
            Tendo em vista todos os documentos que regem a educação brasileira, bem como os pareceres do CNE, os sistemas de ensino, municipais, estaduais e federais vêm se adequando, incluindo em seus currículos da área das ciências humanas (História, Geografia, Português e Arte) o ensino da História da África, bem como suas contribuições a formação da sociedade brasileira e sua cultura , manifestações e bens culturais materiais e não materiais, além de promover  a discussão dos temas relacionados ao racismo e ao preconceito.            


3. Considerações finais.    

          Claro que ainda há um imenso percurso pela frente, visto o grande numero de atitudes preconceituosas e racistas que aparecem nos noticiários e redes sociais todos os dias. Sendo assim necessário, cada vez mais, o engajamento dos professores e das comunidades escolares a cerca do tema.  Analisando, refletindo e discutindo os documentos legais bem como ações para diminuição do racismo e outras formas de impedir o desenvolvimento pleno e sadio de nossas crianças e adolescentes, como o caso do BULLING e outras formas de agressões físicas ou psicológicas.
          Falar sobre as questões de preconceito, racismo e principalmente sobre a formação dos nossos alunos, é lançar sementes de um futuro próximo, mas humano. Onde a diferença é somente um detalhe da humanidade e não uma marca que serve para a segregação e divisão dos povos.
          Como professora, espero conseguir, através dos estudos e das vivencias escolares, contribuir positivamente para a construção desse futuro.
         
REFERÊNCIAS
Brasil, Lei de diretrizes e Bases da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/ldb.pdf . Acesso em 28/07/2017.
Brasil, Constituição Federal, artigo 5º. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/con1988_12.07.2016/art_5_.asp . Acesso em 28/07/2017.
Brasil, Lei 10.639/03 disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm  .Acesso em 28/07/2017
CARVALHO, Jonas
Por que Malu Magalhaes é racista para muita gente? Disponível em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/por-que-este-clipe-de-mallu-magalhaes-e-racista-para-muita-gente/. Acesso em 25/07/2017.
._______________________7 casos de apropriação cultural que mostram a importância do tema. Disponível em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/7-casos-de-apropriacao-cultural-que-mostram-importancia-do-tema/. Acesso em 25/07/2017.
CUSTÓDIO, Tulio.
Você é racista, só não sabe disso ainda. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/10/voce-e-racista-so-nao-sabe-disso-ainda.html . Acesso em 25/07/2017
Folha de São Paulo
Anitta muda visual e é acusada de apropriação cultura. Disponível em:http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2017/02/anitta-muda-visual-e-e-acusada-de-apropriacao-cultural.shtml Acesso em 31/05/2017
MENA, Fernanda.
Acesso em 31/05/2017
MOURA , Marcelo.
Apropriação cultural é racismo? Brancos, como a estudante paranaense que usou um turbante, são criticados por adotar tradições de grupos negros. A crítica ajuda a combater o racismo ou a aprofundá-lo? Disponível em: http://epoca.globo.com/cultura/noticia/2017/03/apropriacao-cultural-e-racismo.html
OLIVEIRA, Tory.
O uso de turbantes por pessoas brancas é apropriação cultural? Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/turbantes-e-apropriacao-cultural Utimo acesso em: 10/05/2017.
PORTILHO, Gabriela
Como surgiu o samba? Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/como-surgiu-o-samba/ . Acesso em 25/07/2017.
SILVA,  Djenane Vieira dos Santos.
Africanidades na escola e identidade cultural: ações afirmativas. Disponível em:
UOL,
Jovem com câncer é repreendida por usar turbante e desabafa na internet. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858068-jovem-com-cancer-e-repreendida-por-usar-turbante-e-desabafa-na-internet.shtml  Acesso em 31/05/17





[1] Professor de Arte na Rede Municipal de Santa Isabel-SP.
Artigo apresentado como requisito parcial para aprovação do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Cultura Africana.
[2] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858068-jovem-com-cancer-e-repreendida-por-usar-turbante-e-desabafa-na-internet.shtml
[3] http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2017/02/anitta-muda-visual-e-e-acusada-de-apropriacao-cultural.shtml
[5] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1861267-polemica-sobre-uso-de-turbante-suscita-debate-sobre-apropriacao-cultural.shtml?cmpid=facefolha