Apropriação cultural
Juliana Bertoglia
Silva [1]
RESUMO
O presente artigo trata do Ensino da
História da África e das africanidades nas escolas brasileiras, tendo como viés
a questão da apropriação cultural como temática principal. Traz a partir dos
referenciais da educação e da legislação brasileira uma reflexão sobre o papel
do professor frente às novas plataformas de comunicação, juntamente com a
popularização das redes sociais.
Palavras-chave: Educação;
apropriação cultural; racismo; redes sociais.
Introdução.
Nos últimos meses vimos uma onda de
debates sobre apropriação cultural nas redes sociais. Casos que chamaram grande
atenção dos internautas foram, a menina (branca) com câncer e que estava em um ônibus
em São Paulo e que foi hostilizadas por mulheres (negras) por usar um turbante,
adereço tido como indicador da cultura afro. Após o incidente, a menina postou
uma foto com a hashtag “vai ter todos de turbante sim (post que segundo a Folha
de São Paulo já conta com 104 mil curtidas 30 mil compartilhamentos[2]) e, acalorando as
discussões, a cantora Anita, estando na Bahia fez tranças no cabelo e postou a
foto em uma rede social, também recebendo diversas criticas de seus seguidores[3].
Mas afinal, o que é apropriação
cultural e por que ela esta dando o que falar nas redes sociais? Uma vez que o
Brasil, dentro de sua história, é de fato uma miscelânea cultural devido às
diversas migrações dos mais diversos grupos advindo de vários países? E talvez,
o mais importante, como e porque falar de apropriação cultural nas escolas?
Ao pensar nessas questões, queremos
ter claro nossa função quanto professores, responsáveis pela formação cidadã de
nossos alunos, para que eles possam ter condições de combater preconceitos e,
porque não, fortalecerem-se quanto sujeitos de maneira critica, criativa e
principalmente, fortalecer as relações de respeito, solidariedade tão
necessárias nos dias de hoje.
1. Apropriação cultural: o que é?
Nossa
sociedade foi formada a partir de três matrizes culturais: os índios, que aqui
viviam antes dos colonizadores. Os europeus e sua dita cultura branca
(portugueses e espanhóis) e os negros, trazidos como escravos de diversas
partes da África.
A
história brasileira se dá a partir da interação cultural desses povos,
pertencentes à raça humana. Aqui há a necessidade de uma pausa para falarmos do
termo raça. Em termos biológicos, não existem raças e sim a raça humana (homo
sapiens) e o termo raça é empregado de forma “politica tomado por grupos étnico-raciais de forma a fortalecer seus
direitos e favorecer seu processo de inclusão e de acesso aos direitos
fundamentais desses grupos” (TOLEDO, 2013 p. 21) procurando assim garantir
igualdade de direito a todos e não divisão social.
A
nossa história, quanto sociedade, foi marcada pela dizimação de diversos povos
indígenas, como também pelo processo de escravidão vivido pelos povos negro
trazidos ao Brasil, sendo o nosso país o ultimo a abolir o trabalho escravo,
impondo- se assim a cultura europeia e rechaçando as demais culturas.
Heranças
desse passado próximo, ainda são visíveis nos dias de hoje, infelizmente ainda
temos presentes conceitos e pré-conceitos que geram sofrimento e
discriminação. Na forma como nos
comunicamos e nos expressamos. Muitas vezes, mal sabemos que com certas
expressões usadas corriqueiramente estamos sendo racistas. À exemplo: “Amanhã é
dia de branco!” ao se referir a segunda feira, negros ou indígenas não
trabalham as segundas feiras?
Voltemos
então a pergunta: Apropriação Cultural- o que é? Como já cometamos, vivemos a
supremacia da cultura branca e, por muito tempo a cultura negra foi tida como
algo ruim, mal e até mesmo como crime. À exemplo o samba, ritmo nascido da
mistura de rimos africanos e que durante
a década de 1920, quem fosse pego em uma roda de samba poderia ser preso, ou
ainda se fosse pego fazendo “nas ruas e praças públicas exercício de
agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem (decreto 847 de 11 de outubro de 1890[4])...”: seria acusado de vadiagem. Hoje, o samba e a
capoeira são tidos como símbolos da cultura brasileira e patrimônio imaterial
da humanidade.
Apropriação
cultural, segundo reportagem exibida na folha de São Paulo, “é quando elementos de uma determinada
cultura são tomados como seus por outra cultura dominante, ou seja, quando
existe uma relação assimétrica de poder[5]
. Ou ainda, como defende a filosofa Djamila Ribeiro, entrevistada pela
Folha na mesma reportagem citada acima, apropriação cultural é quando elementos
de uma determinada cultura passam a ser interessantes ao mercado, são
esvaziados de suas essências e assim transformados em produto comerciais.
Outros
casos de apropriação cultural apareceram na mídia nos últimos dias, alem dos já
citados, houve também a atriz Isabella
Santoni que publicou em seu perfil em uma rede social uma foto onde aparece com
tranças que representam a cultura negra, ou ainda o caso da cantora Malu
Magalhaes e o vídeoclipe da musica “Você não presta” onde os seus seguidores a
acusam de hipersexualiazar o corpo negro além de ter dançarinos negros em
posição subalternas a ela. Fazendo com que a cantora retirasse o vídeo do ar.
Dentro da nossa sociedade, e dentro,
principalmente da profissão de professor, precisamos ter bem claros os
pressupostos educacionais que regem o magistério em nosso país, e para tanto
entender os contextos que são debatidos dentro das redes sociais, podem ser
grandes ferramentas e ponto de inicio para dialogo em sala de aula, promovendo
assim o pensamento critico, a auto reflexão e o combate das atitudes e ações
que geram desconforto social como é o caso do racismo.
2. A O Ensino sobre a África e africanidades
na escola.
Antes de falarmos
sobre o papel de discutir e construir conhecimentos a cerca das africaninades
bem como a história da África nas salas de aula, é importante percebemos como
chegamos a necessidade de se falar sobre esse assunto em nossas escolas.
Partimos então do artigo 5º da Constituição de 1988, que garante a todos os
cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, além de:
XLII - a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da
lei;[6]
A Constituição, carta
magma da nação, é um dos primeiros documentos a tratar da temática do racismo,
tratando- o como crime. Após esse documento, foram criados outros para
garantir, de fato a todos os brasileiros, os direitos essenciais a vida,
educação, saúde e segurança para estes exercerem de forma digna sua liberdade,
expressão e cidadania.
Entre outros
documentos que podemos citar, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LEI
Nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996) que no artigo 26 traz em seu texto:
Os currículos do ensino
fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela.
§ 4º - O ensino da História
do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias
para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana
e europeia.[7]
O Estatuto da criança e do
adolescente em seu artigo 5º diz:
Nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. [8]
Além
desses três documentos há ainda as alterações da LDB, que trata da organização
do ensino no país, as mudanças ocorridas através das Leis 10.639/2003 que
introduz ao texto a obrigatoriedade da Temática História e Cultura Afro-brasileira
(inclusão na LDB, no Art. 26, 26_A, além do 79, 79_A e B). Cinco anos depois
mais uma alteração no Art.26, agora este passa a apresentar também a palavra
“indígena” sendo o texto alterado para História e Cultura Afro-brasileira e
Indígena (Lei 11.645/2008), mudanças que garantem o ensino da formação histórica
do país bem como sua diversidade cultural.
Há
ainda os pareceres do Conselho Nacional da Eucação, CNE 003/2004, o Plano
Nacional de implementações das diretrizes curriculares para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro- brasileira
e africana.
Tendo
em vista todos os documentos que regem a educação brasileira, bem como os
pareceres do CNE, os sistemas de ensino, municipais, estaduais e federais vêm
se adequando, incluindo em seus currículos da área das ciências humanas
(História, Geografia, Português e Arte) o ensino da História da África, bem
como suas contribuições a formação da sociedade brasileira e sua cultura ,
manifestações e bens culturais materiais e não materiais, além de promover a discussão dos temas relacionados ao racismo
e ao preconceito.
3. Considerações finais.
Claro que ainda há um imenso percurso
pela frente, visto o grande numero de atitudes preconceituosas e racistas que
aparecem nos noticiários e redes sociais todos os dias. Sendo assim necessário,
cada vez mais, o engajamento dos professores e das comunidades escolares a
cerca do tema. Analisando, refletindo e
discutindo os documentos legais bem como ações para diminuição do racismo e
outras formas de impedir o desenvolvimento pleno e sadio de nossas crianças e
adolescentes, como o caso do BULLING e outras formas de agressões físicas ou
psicológicas.
Falar sobre as questões de
preconceito, racismo e principalmente sobre a formação dos nossos alunos, é
lançar sementes de um futuro próximo, mas humano. Onde a diferença é somente um
detalhe da humanidade e não uma marca que serve para a segregação e divisão dos
povos.
Como professora, espero conseguir,
através dos estudos e das vivencias escolares, contribuir positivamente para a
construção desse futuro.
REFERÊNCIAS
Brasil, Lei de diretrizes e Bases da Educação.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/ldb.pdf
. Acesso em 28/07/2017.
Brasil, Estatuto da Criança e do Adolescente.
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/programas-institucionais/inclusao-social-e-equidade/acessibilidade/legislacao-pdf/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente
. Acesso em 28/07/2017.
Brasil, Constituição Federal, artigo 5º.
Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/con1988_12.07.2016/art_5_.asp
. Acesso em 28/07/2017.
Brasil, Lei 10.639/03 disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm .Acesso em
28/07/2017
CARVALHO, Jonas
Por
que Malu Magalhaes é racista para muita gente?
Disponível em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/por-que-este-clipe-de-mallu-magalhaes-e-racista-para-muita-gente/.
Acesso em 25/07/2017.
._______________________7 casos de apropriação cultural que mostram
a importância do tema. Disponível em: https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/7-casos-de-apropriacao-cultural-que-mostram-importancia-do-tema/.
Acesso em 25/07/2017.
CUSTÓDIO, Tulio.
Você
é racista, só não sabe disso ainda. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/10/voce-e-racista-so-nao-sabe-disso-ainda.html
.
Acesso em 25/07/2017
Folha de São Paulo
Anitta
muda visual e é acusada de apropriação cultura.
Disponível em:http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2017/02/anitta-muda-visual-e-e-acusada-de-apropriacao-cultural.shtml
Acesso em 31/05/2017
MENA, Fernanda.
Uso
de acessório afro provoca polêmica sobre apropriação cultural. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1861267-polemica-sobre-uso-de-turbante-suscita-debate-sobre-apropriacao-cultural.shtml?cmpid=facefolha
Acesso em 31/05/2017
MOURA , Marcelo.
Apropriação
cultural é racismo? Brancos, como a estudante paranaense que usou um turbante,
são criticados por adotar tradições de grupos negros. A crítica ajuda a
combater o racismo ou a aprofundá-lo? Disponível em: http://epoca.globo.com/cultura/noticia/2017/03/apropriacao-cultural-e-racismo.html
OLIVEIRA, Tory.
O
uso de turbantes por pessoas brancas é apropriação cultural?
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/turbantes-e-apropriacao-cultural
Utimo acesso em: 10/05/2017.
PORTILHO, Gabriela
Como
surgiu o samba? Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/como-surgiu-o-samba/
. Acesso em 25/07/2017.
SILVA, Djenane Vieira dos Santos.
Africanidades
na escola e identidade cultural: ações afirmativas.
Disponível em:
UOL,
Jovem
com câncer é repreendida por usar turbante e desabafa na internet.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858068-jovem-com-cancer-e-repreendida-por-usar-turbante-e-desabafa-na-internet.shtml
Acesso em 31/05/17
[1]
Professor de Arte na Rede Municipal de Santa Isabel-SP.
Artigo apresentado como
requisito parcial para aprovação do Trabalho de Conclusão do Curso de
Especialização em Cultura Africana.
[2] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1858068-jovem-com-cancer-e-repreendida-por-usar-turbante-e-desabafa-na-internet.shtml
[3] http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2017/02/anitta-muda-visual-e-e-acusada-de-apropriacao-cultural.shtml
[5] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1861267-polemica-sobre-uso-de-turbante-suscita-debate-sobre-apropriacao-cultural.shtml?cmpid=facefolha