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quarta-feira, 26 de março de 2014

Parte do meu texto da Pós Graduação

As relações escola X família.
A intervenção deliberada dos membros mais maduros da cultura no aprendizado das crianças é essencial ao seu processo de desenvolvimento. A intervenção pedagógica do professor tem, pois, um papel central na trajetória dos indivíduos que passam pela escola. OLIVEIRA (2001)

A escola onde trabalho fica em um bairro periférico e em expansão em (...) e como já disse anteriormente é um bairro com grandes diferenças econômicas e que em muitos locais, principalmente os mais afastados, há uma grande incidência de tráfico de entorpecentes.
Um levantamento que fiz, durante as duas primeiras reuniões de pais e mestres nessa escola mostra como os pais tem se afastado da escola e da vida familiar de seus filhos. Claro que os dados de apenas duas reuniões de pais e mestres, no primeiro semestre deste ano, talvez seja um instrumento ainda pequeno de avaliação e que deveríamos verificar em um período maior, mas já podemos ter uma base para a necessidade de aproximarmos mais os pais e a comunidade da escola.

Os nomes das crianças que vou usar são de fantasia, mas as histórias reais. Comecemos pela história do aluno Rodrigo de oito anos, matriculado no 2º ano. Há algum tempo venho tentado falar com seus familiares, esse aluno passou pelo primeiro ano inteiro na hipótese de escrita pré- silábica e iniciou o segundo da mesma forma, avançando para a hipótese silábica sem valor no final do primeiro bimestre desse ano (2012), ele é aluno de uma professora muito comprometida com seu trabalho, e que ao ver que muitos de seus alunos que haviam avançado, mas não conforme a expectativa do bimestre chorou convulsivamente dizendo não achar justo esses alunos receberem notas vermelhas sem se levar em conta o avanço que tiveram. Já mandei duas convocações para a mãe desse aluno, a primeira ele não mostrou, a segunda veio assinada. Tenho perguntado a todo tempo pela mãe e ele me responde que ela virá hoje à tarde ou amanhã. Já ate encontrei com essa mãe na saída dos alunos, pedi para que ela comparecesse o mais breve possível na escola para conversarmos e ela até hoje não apareceu. Perguntei se ela havia visto a convocação no caderno de seu filho ao que ela respondeu que não, disse a ela que bilhete estava assinado e que não era a letra do aluno e ela me disse que tinha assinado sem ler o conteúdo do bilhete.
Outro aluno que temos é o Leonardo, também de oito anos e matriculado no segundo ano. Esse aluno presenciou o padrasto abusando sexualmente da irmã mais velha. Se perguntarmos ao aluno, ele saberá responder com detalhes como “tudo” aconteceu. Ele não respeita a mãe, os colegas ou mesmo a professora, que tem sido bastante enérgica com a criança para que ela possa aprender o possível. A mãe desse aluno compareceu apenas uma vez na escola para reclamar que a diretora havia espalhado o caso do estupro pela comunidade escolar.  O que não ocorreu, pois muitos dos pais já sabiam do ocorrido, sendo a escola a ultima a ser informada da situação. Essa mãe para eventos, reuniões e outras atividades da escola nunca compareceu, só veio por que a família que cuidava do aluno desistiu e ela não tinha mais com quem deixa-lo.
São varias as historias de abandono, tanto intelectual, afetivo como também físico. Temos duas crianças uma no primeiro ano e outra no quinto, que ficam o dia inteiro a sós em casa, sem nenhum adulto que os cuide, pois a mãe diz necessitar trabalhar e não pode ficar com eles. E esses abandonos, muitas vezes se  refletem na escola em indisciplina, desrespeito e violência.
Dizer que todo mal que a escola sofre é culpa da família é uma inverdade sem tamanho. Mas jogar toda a responsabilidade na escola é outro erro que estamos cometendo. Então como fazer para que as famílias estejam mais inseridas na educação de seus filhos e entendam seu papel de formação social dessas crianças?
Na lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 que trata sobre as Diretrizes e Bases da educação nacional, a LDB, nos diz em seu primeiro artigo que A educação abrange os processos formativos que se desenvolve na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
O primeiro ponto a ser defendido por essa lei, é que a educação abrange o processo de formação do individuo e esse processo se dá primeiro dentro da convivência familiar e humana, para depois vir a formação no trabalho, nas escolas e nos demais segmentos da sociedade. Podemos dizer que a educação é um processo que não tem fim, pois sempre estamos aprendendo e nos reeducando e que, se ela começa dentro da família, ela ira refletir nas outras instituições sociais.

A educação é um processo, por tanto é o decorrer de um fenômeno (a formação do homem) no tempo, ou seja, é um fato histórico. Toda via é um fato histórico em duplo sentido: primeiro de que representa a própria historia do individual de cada ser humano; segundo, no sentido de que esta vinculada à fase vivida pela comunidade em sua continua evolução. PINTO, 1984.

Pensar na construção familiar nos dias de hoje é uma tarefa difícil, pois não temos mais uma família ideal, onde haja a figura paterna, a materna, os irmãos, de preferencia um casal. A família contemporânea tem múltiplas possibilidades de construção. E não cabe mais dentro das perspectivas burguesas de alguns anos atrás. O maior problema que essa família vem enfrentando são as relações de respeito, de solidariedade, de humanidade que os dias corridos, onde a busca por capital é desumana e egoísta. O importante sou eu e não o outro. Isso me fez lembrar de uma cena que vi essa semana: ultima aula, sexta feira, um aluno que é rejeitado pela família empurrou uma aluna e essa feriu-se com um pequeno corte na cabeça, fiz o curativo usando um pedacinho de algodão e prendendo com fita crepe, apenas para estancar o sangramento enquanto a diretora entrava em contato com a família. A mãe da garota chegou já às dezoito horas, e inqueria a aluna o porquê ela foi “mexer” com um aluno maior que ela, sendo os dois da mesma sala e mesma idade. A menina não sabia o que responder e a mãe continuava a queixar-se sobre que ela só era chamada a escola para receber reclamações, que toda vez era isso. Quando é que a menina ia aprender a se vestir sozinha, a não aprontar na escola, porque ela (a mãe) não aguentava mais aquilo. Desde o dia em que estou na escola (30 de janeiro deste ano) vi essa mãe apenas duas vezes, essa em que a menina se machucou, e outra, quando não apareceu ninguém para busca-la e já eram dezoito e trinta quando a mãe chegou, falei com a mãe que o dia estava muito frio e que a menina quando quisesse vir a escola de saia que vestisse também uma meia calça, pois ela poderia se resfriar, ao que a mãe me respondeu que ela não tinha o que fazer, pois trabalhava o dia inteiro e que a menina ficava com uma babá, respondi a mãe dizendo que ela poderia pedir, então, que a babá ficasse atenta a isso e a mãe se dirigiu a aluna reclamando que ela sempre ia a escola para receber reclamações, terminando com um gesto obsceno.

Já o outro aluno, o que havia empurrado a menina, como já disse, é rejeitado pela família, por mais que essa tente passar uma imagem diferente, a situação é bem clara. Outro dia ele estava febril e a secretária da escola ligou varias vezes para falar com a mãe que ela viesse buscar a criança. Depois de muito tempo a mãe retorna a ligação para a escola querendo saber o que se havia acontecido algo com seu filho, dirigindo- se ao outro filho matriculado em um terceiro ano. Só depois de muito tempo é que ela se lembrou do filho mais velho, que era o motivo que a escola havia tentado falar com ela.
Marta Kohl de Oliveira em seu livro sobre o pensamento de Vigotsky (2001) nos diz “o homem biológico transforma-se em social por meio de um processo de internalização de atividades, comportamentos e signos culturalmente desenvolvidos”. O que vemos nos dias de hoje, devido ao avanço descontrolado do capitalismo e dos ideais individualistas é uma inversão de valores, a começar dentro do seio familiar e que se estende a escola e a toda a sociedade.
Os pais muitas vezes, em seus anseios por uma vida melhor, acreditam que a escola será a salvadora do futuro de seus filhos, e entregam a esta instituição todo o encargo da educação dos pequenos. A escola, que há algum tempo atrás era para poucos, agora abre suas portas a todos, dentro de uma obrigatoriedade disfarçada em direito. Complementando o circulo capitalista, aparecem bolsas “disso e daquilo” tornando o “ter” filhos um negocio lucrativo, sendo necessário apenas manter seus filhos frequentando a escola para a garantia do beneficio e, a qualidade da educação que também é um direito, é esquecida em arquivos e papelada.
Como poderemos formar cidadãos capazes de inferir em uma sociedade critico- reflexivamente, se muitas vezes os direitos de crianças são negligenciados por suas famílias, pela escola e pela própria sociedade que aceita calada essa situação. E muitos ainda acreditam em educação como combate a criminalidade?
A escola é, ultimamente, o centro das atenções de muitas pesquisas e manchetes de jornais que tratam da violência escolar cometida entre alunos e entre estes e seus professores.  Nesse sentido vale repensarmos no papel da escola nos dias atuais, na sua função social que esta apresenta e como ela pode transformar realidades dentro da comunidade em que esta inserida, e para isso há a necessidade de articular escola, família dentro de um projeto que vise à formação cidadã não só de seus alunos como também da comunidade que a compõe.
Mas que projeto seria esse e como incluir a família e a comunidade dentro desse projeto, para que ele se torne parte da comunidade escolar como algo que a diferencie de outras organizações sociais?
Esse projeto se dá através do dialogo, do estudo, da analise dos objetivos de todos os participantes que compõe a comunidade escolar, é necessário que cada um entenda seu papel na formação desse projeto, que pode ser chamado de varias formas (projeto politico pedagógico, projeto pedagógico etc.), mas que deve ter por finalidades mostrar a “cara” da escola, o porquê dela existir como parte fundamental da construção e formação de sociedade que queremos. 

O projeto politico- pedagógico da escola só irá ser uma referencia para o trabalho que a escola desenvolve quando as concepções e orientações que vincula estiverem em consonância com as reais necessidades da unidade escolar e fizer sentido para todos os envolvidos no processo. Desta maneira, é fundamental a importância que a comunidade escolar local conheça a função do projeto e os preceitos que o compõe. FRANCO, 2010

O projeto politico pedagógico é a identidade de cada escola, e a participação de toda a comunidade escolar dentro desse projeto, segundo Franco, “proporciona a comunidade a responsabilidade na tomada de decisões e do papel de cada um para o planejamento, implantação, desenvolvimento e avaliação do projeto da escola.” Esse projeto nasce das necessidades reais da escola que são diagnosticadas através de avaliações internas. Essas necessidades são discutidas e analisadas pela comunidade que então passa a projetar ações para solucioná-las. É importante lembrar que esse projeto não nasce do dia para a noite, ele requer tempo, analise e estudo, para só então começar a ser escrito como projeto a ser defendido pela escola.
Infelizmente não são todas as escolas que já conseguiram formular seus projetos, muitas ainda vivem o dilema de terem suas atividades cerceadas pelas secretarias de educação. Fazendo o caminho de cima para baixo, não dando autonomia as escolas para que reflitam sobre suas realidades e assim construam seu próprio modo de ser escola, respeitando suas necessidades e seus participantes.

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